Editora Record, 127 páginas |
"O homem levantou uma esferográfica azul, soprou um bafo para amolecer a tinta e perguntou sem olhar:
- Nome?
- Mario Jiménez - respondeu Mario Jiménez solenemente."
Mario Jiménez, garoto de dezessete anos que inventava o menor resfriado para não fazer os trabalhos marítimos - seu pai, Jose Jiménez trabalhava numa enseada de pescadores - ao dizer solenemente seu nome, tornava-se o carteiro de Pablo Neruda, o poeta do povo chileno.
Ao alvorecer, juntamente com sua Legnano, partia para assumir seu posto. Sua pontualidade era tamanha que Cosme, ou melhor, dom Cosme se impressionava.
Com as inúmeras correspondências guardadas na sua mochila, Mario pedalava em direção à Ilha Negra onde morava seu único cliente, Neruda.
Mesmo sabendo da miséria que receberia, Mario agarrou o emprego - por trás havia uma curiosidade e admiração pelo poeta.
Após certo atraso, típico no Chile, como pontua o autor, o carteiro recebe o salário e, com ele, compra Odes elementares, um dos livros do vate - palavra que aparecerá constantemente no enredo, além de uma garrafa de vinho para seu pai e um pente alemão. Sempre ao levar as cartas, Mario ficava na iminência de pedir o autógrafo, mas a face do poeta dizia para ele não pedir. Após um bom tempo, decide pôr o livro junto das cartas e consegue, mesmo insatisfeito, pois sonhava com um autógrafo elaborado, um "Cordialmente, Pablo Neruda."
É assim que começa a amizade entre o Carteiro e o Poeta. Um enredo que se mostra mágico com suas peculiaridades linguísticas e simples com uma amizade tão bela. Um certo erostismo em alguns trechos, uma leve ironia, em outros.
"- Mario Jiménez , afora as Odes elementares, tenho livros muito melhores. É indigno que você fique me submetendo a todo tipo de comparações e metáforas.
- Como é, dom Pablo?!
- Metáforas, homem!
- Que coisas são essas?"
Afinal, o que são metáforas? Nesse diálogo é posto o fazer poético, o sentir poético. O homem que não é poeta quer, pela admiração, tornar-se um, alegando poder dizer o que quer. Além dessa conversa, o autor presenteia os leitores com uma amizade gostosa de se ver. Neruda chega até a ajudar o garoto na conquista do seu grande amor, Beatriz, além de muitas outras surpresas guardadas para a leitura.
O livro O Carteiro e o Poeta foi escrito por Antonio Skármeta quando ele estava exilado na Alemanha, mais especificamente, em Berlim Ocidental. O motivo para exilar-se foi a ditadura surgida com a ascensão de Pinochet. Segundo o escritor, produzir esse livro foi uma forma de resgatar o Chile que estava dentro dele, dentro da sua alma e tão distante. Tanta emoção em poucas páginas era o objetivo do autor.
É comum nas suas obras, assim percebi ao ler Não foi nada, outro livro escrito por ele no exílio, o resgaste do distante, os laços nativos, a cultura afastada por acontecimentos políticos - no caso a política chilena tão conturbada, assim como em outros países latino-americanos.
Antonio Skármeta
Antonio Skármeta nasceu em Antofagasta, Chile, em 1940. Na década de 70 foi para Berlim, fugindo da ditadura de Pinochet. Produziu O Carteiro e o Poeta, adaptado para o cinema, e Não foi nada, uma história que também trata de exilados políticos, além de O baile da Vitória, Velocidade do Amor e outras obras.
Vale a pena ler as obras de Antonio Skármeta. Não foi nada e O Carteiro e o Poeta entraram na minha lista de bons livros.
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