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Penso, logo rumino

Penso, logo rumino. Essa é a plaquinha que está afixada no meu cérebro. Vi certa vez num livro de filosofia uma placa "penso, logo existo" e quis ter uma moldada à minha personalidade, afixada no portal de entrada. 

Pensar é tão bom. Consigo através das sinapses elaborar mil e uma saídas para minhas histórias. Começo dezenas de histórias na minha cabeça e vou tomando nota. Em algum momento, retomo a escrita como se fosse um artesão enxertando pedaços numa obra inacabada. 

Deitado, pego meu aplicativo de notas e em digitação acelerada com os dedinhos polegares vou transpondo como uma máquina de datilografar as palavras que me saltam da mente e se afixam nas entrelinhas. Não tem nenhum ruído feito a máquina de escrever. O ruido tá só no cérebro. 

Já não sei o que escrever agora, porque já comecei a pensar noutras coisas. A cabeça fica vendo flashes de tantas histórias que parece um show estroboscópico de uma boate. O coração fica palpitando como se tivéssemos ingerido a melhor das anfetaminas, enxurrando o cérebro de dopamina e serotonina. Mas é cortisol mesmo. O estômago é tomado por uma borboleta gigante que fica batendo as asas, causando frio com o vento de seus movimentos ritmados. A respiração é ofegante, a tremedeira e sudorese ganham intensidade. 

Volto a pensar na história que estou escrevendo, contudo não enxergo uma saída lógica. Fico escrevendo como se fosse Jack Kerouac, que tomado pelo efeito entorpecente de uma droga, vai escrevendo, escrevendo, escrevendo até ver se tem algum enredo concatenado com algo. 

Penso na conta que tenho a pagar mais tarde e nos estudos e leituras a serem feitos. E o cinema que marquei para o domingo. Eita, e aquela mensagem que não me responderam. 

Penso, logo rumino. Adoro ruminar. A vaca fica mascando o capim por tanto tempo. Fica naquele movimento bonito com o maxilar, pensativa, cheia de ideias. Eu faço o mesmo. Fico ruminando pensamentos. É tão engraçado. 

Dou tantas interpretações a tudo. Eu deveria ser um roteirista. Não aceito as interpretações alheias. Sou muito fabulista. Quero escrever as interpretações das ações dos outros. Os outros são tão sem graça ou tão óbvios em suas ações que prefiro eu mesmo escrever o desfecho. 

Uma mensagem não respondida é desinteresse. O outro diria ser "estive ocupado esses dias e não pude te dar atenção". Que conversa. Quem não tem tempo hoje em dia? Todo mundo tem tempo. É desinteresse sim. Prefiro já ir pro próximo desinteressado e confabular novos roteiros. 

Vácuo. Hoje em dia temos essa palavra. Vácuo. É desinteresse. Pelo amor de deus, né? O outro vai inventar desculpas mil de que não entra muito no Instagram. Basta publicar uma foto que é o primeiro a visualizar. Como não usa o Instagram? Penso, logo rumino. 

Onde eu tava mesmo? Já nem lembro. Me perdi totalmente nesse emaranhado de palavras. É sobre ansiedade que eu tou falando? Ou sobre processo criativo de escrita? 

Certo dia eu tava tão doidão que mal conseguia respirar. Tive que colocar óleo essencial de menta na mão, friccionar e dar aquela cheirada. Pense num barato. Fiquei suave. Menta dilata as narinas. Coloquei uma música de Yoga no Spotify ou um mantra indiano. Nossa fiquei relaxado. 

E voltando sobre interpretações... E aquele crush que fica publicando foto biscoitando. Não sei se é pra mim ou pra uma infinidade de fãs. Deveria ser pra mim. Mas deve ser para uma infinidade de fãs. Na era dos apps de pegação ou seria relacionamento? Nem sei. 

Mas na era desse negócio aí, todo mundo quer todo mundo e todo mundo não quer ninguém ao mesmo tempo. 

Se o outro diz que quer relacionamento eu já penso que é cilada. Quem quer relacionamento não diz que quer. Vai levando. O famoso aberto a possibilidades. Meu filho, aberto a possibilidades é demais para mim. É feito jogar na mega sena. As probabilidades são muitas. Deixa de queijo e diz logo o que tu quer. Não tenho tempo para interpretar "aberto a possibilidades". 

Eu fico com raiva se me deixam no vácuo no WhatsApp. Fico com mais raiva ainda se a pessoa visualiza meus stories, mas não me responde no WhatsApp. Como assim? Tá lá no Instagram, mas não me responde? Filho da puta. Para que começar se depois vai esfriar? Tenho tanto ódio desses joguinhos juvenis. Ai fico me fudendo com a TAG. É generalizada mesmo. Ansiedade do caralho. 

Bauman diria que eu tenho que ficar invisível. Desculpe-me Bauman. Eu até tentei, mas fiquei mais ansioso ainda. Esse negócio de sumir das redes sociais não dar. Como vou ler sobre ansiedade no Instagram, sem Instagram. Como vou ler sobre términos de relacionamentos e sobre relacionamentos tóxicos? Não posso ficar fora. Medo de ficar de fora né? Tás doido? Só tu mesmo para dizer para ficar invisível. Quero mesmo é ser visualizado. Todo mundo me curtir. Todo mundo reagir, mandando biscoitinho. Penso, logo rumino. 

Engraçado porque o povo tá lendo isso aqui como se tivesse escrito no papel, mas é tudo imaginação da minha cabeça. São os pensamentos de um ansioso. Fico pensando e não escrevo nada. 24 horas por dia. 220 volts. É doidera. 

Esse texto aqui é a representação fiel da mente de um fabulista. Já tou tomando remédio controlado. Espero ficar curado. Mas se não ficar vou escrevendo mais e mais. Quem sabe viro um roteirista ou um escritor. Parece que levo jeito. Ou não? Sei lá. Só penso mesmo. Penso, logo rumino.

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