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Mercado da Boa Vista

Atravesso a rua. Saio. É preciso sair para enxergar melhor. É um sair de si para se encontrar. Ploeg visto de perto é lindo. Mas visto de longe se completa. O pórtico do Mercado é belo. Branco e um alaranjado. A entrada anuncia um átrio cravado no centro onde mesas são organizadas, ocupando todo o espaço, guarda-sóis da Coca-Cola abertos, pombos catando migalhas, gatinhos de rua pedindo um pedaço qualquer de comida, muito tempero no ar. 


É quente. A garrafa de 600 ml de Brahma suada refresca a garganta no gole sedento. O cheiro no ar, como redemoinhos invisíveis, já acusa o que encontraremos de comer. Regionalismo gastronômico. É comida regional feita por gente simples que fala sem firulas. Tem costela. Tem carne de Sol com queijo coalho frito em cubos. Tem rabada. Tem arrumadinho. Tem galinha cabidela. Tem feijoada. Tem comida caseira. No preço leve pro bolso, mas pesada para uma sesta vespertina. Compensa.


O burburinho é constante. Come-se e conversa-se. Vende-se e compra-se. Todos pausam às 12. Querem comer bem e barato. Os que podem bebem cerveja. Os que não podem, tomam refri. Uns fumam em baforadas lentas, escondendo a ansiedade corriqueira. 


É quente. O vai e vem de garçons colhendo os pedidos é intenso, ainda mais nos finais de semana. Sextas, sábados e domingos, o átrio recebe música ao vivo. O silêncio da rua não acusa o burburinho do átrio interno. Quem for turista, passando na frente, poderá nem notar, mas ali dentro tem vida. Tem risada. Tem música. Tem cigarro. Tem olhares e beijos. Tem gente suada e cheiro. Tão malucos em poesia. É Recife transpirando sua gente, convidando seus afetos, recebendo seus amores. 


Mercado da Boa Vista é vivo, é sabor, é humildade, é andar olhando, sentar pensando, comer vivendo. Tarde no Mercado é uma pausa na vida, é um presente para si, um intervalo na alma. 


E quando parecer que não resta mais nada a fazer e ter que voltar para outras paragens, passar na Padaria Santa Cruz é doce feito mel. Comer um pão de mel com café coado é voltar para 1959 na inauguração da padaria popular, cravada no Largo de Santa Cruz, paragem entre a Boa Vista e os Coelhos. 

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