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Antes que vá pro lixo

Papéis... São muitos. Aqui em casa tem um quantidade enorme. Já descartei sacolas e mais sacolas com fichas escolares de 2009, 2010 e 2011, sem falar em incontáveis apostilas e livros. A cada aula recebia-se um nova ficha. Aos poucos, o fichário ficava inchado de tantas folhas. 
O pior de tudo é que eu sentia algo muito poderoso que dizia: Não jogue! Você vai precisar... É surpreendente. É uma força sobrenatural que nos faz acumular esses papéis. No fim, você nunca usa. Digo isso, porque passei por esses problemas. Minhas fichas de 2010 ficaram guardadinhas para serem utilizadas em 2011. Resultado: mais de 80% ficaram dentro das pastas.
Ainda tenho algumas fichas de 2009 e novamente não foram jogadas por eu pensar o seguinte: Joga não cara, talvez você faça algo interessante com elas. 
A que eu vou repassar para vocês foi entregue numa aula de produção de texto, no meu 2º Ano do Ensino Médio, pelo professor Daniel Bandeira. O título é Diga não às drogas, do escritor Luiz Fernando Veríssimo. Um texto extremamente divertido. Aproveitem essa ficha antes que vá pro lixo, isso se eu conseguir jogar!

Diga não às drogas

Depoimento emocionado de Luiz Fernando Veríssimo sobre sua experiência com as drogas.


Tudo começou quando eu tinha uns 14 anos e um amigo chegou com aquele papo de "experimenta, depois quando você quiser, é só parar..." e eu fui na onda dele.
Primeiro ele me ofereceu coisa leve, disse que era de "raiz", da terra, que não fazia mal, e me deu um inofensivo disco de Chitãozinho e Xororó e em seguida um do Leandro e Leonardo. Achei legal, uma coisa bem brasileira. Mas a parada foi ficando mais pesada, o consumo cada vez mais frequente, comecei a chamar todo mundo de "amigo" e acabei comprando pela primeira vez.
Lembro que cheguei na loja e pedi: Me dá um CD de Zezé de Camargo e Luciano. Era o princípio de tudo! Logo resolvi experimentar algo diferente e ele me ofereceu um CD de Axé.
Ele dizia que era para relaxar; sabe, coisa leve... Banda Eva, Cheiro de Amor, Netinho, etc. Com o tempo meu amigo foi me oferecendo coisas piores: o Tchan, Companhia do Pagode e muito mais.
Após uso contínuo, eu já não queria saber de coisas leves, eu queria algo mais pesado, mais desafiador, que me fizesse mexer os quadris como eu nunca havia mexido antes. Então, meu amigo me deu o que eu queria, um CD do Harmonia do Samba. Minha bunda passou a ser o centro da minha vida, razão do meu existir. Pensava só nessa parte do meu corpo, respirava por ela, vivia por ela! Mas, depois de muito consumo, a droga perde o efeito, e você começa a querer cada vez mais, mais, mais... Comecei a frequentar o submundo e correr atrás das paradas.
Foi a partir daí que começou a minha decadência. Fui ao show e ao encontro dos grupos Karametade e Só Pra Contrariar, e até comprei a Caras que tinha o Rodriguinho na capa. Quando dei por mim, já estava com o cabelo pintado de loiro, minha mão tinha crescido muito em função do pandeiro. Meus polegares já não se mexiam por eu passar o tempo todo fazendo sinais de positivo.
Não deu outra: entrei em um grupo de pagode. Enquanto vários outros viciados cantavam uma música que não dizia nada, eu e mais outros 12 infelizes dançávamos alguns passinhos ensaiados, sorríamos e fazíamos sinais combinados. Lembro-me de um dia quando entrei nas lojas Americanas e pedi a coletânea "As melhores do Molejo". Foi terrível!!! Eu já não pensava mais!!!
Meu senso crítico havia sido dissolvido pelas rimas miseráveis e letras pouco arrojadas. Meu cérebro estava travado, não pensava mais nada. Mas a fase negra ainda estava por vir. Cheguei ao fundo do poço, ao limiar da condição humana, quando comecei a escutar popozudas, bondes, tigres, MC Serginho, Lacraias, motinhas e tapinhas. Comecei a ter delírio e a dizer coisas sem sentido.
Quando saía à noite para as festas, pedia tapa na cara e fazia gestos obscenos. Fui cercado por outros drogados, usuárioas das drogas mais estranhas que queriam  me mostrar o caminho das pedras... Minha fraqueza era tanta que estive próximo de sucumbir aos radicais e ser dominado pela droga mais poderosa do mercado: Ki-Kokolexo.
Hoje estou internado em uma clínica. Meus verdadeiros amigos fizeram a única coisa que poderiam ter feito por mim. Meu tratamento está sendo muito duro: doses cavalares de MPB, Bossa-Nova, Rock Progressivo e Blues. Mas o médico falou que talvez tenha que recorrer ao Jazz, e até mesmo a Mozart e Bach. Queria aproveitar a oportunidade e aconselhar as pessoas a não se entregarem a esse tipo de droga. Os traficantes só pensam no dinheiro. Eles não se preocupam com a sua saúde, por isso tapam a visão para as coisas boas e te oferecem drogas. Se você não reagir, vai acabar drogado, alienado, inculto, manobrável, consumível, descartável, distante.
Vai perder referências e definhar mentalmente. Em vez de encher a cabeça com porcaria, pratique esportes e, na dúvida, se não puder distinguir o que é droga ou não, faça o seguinte:

- não ligue a TV no domingo à tarde;
- não escute nada que venha de Goiânia ou do interior de São Paulo;
- não entre em carros com adesivos "Fui...";
- se te oferecerem um CD, procure saber se o indivíduo foi ao programa da Hebe ou ao Domingo do Gugu;
- mulheres gritando histericamente são outro indício;
- não compre um CD que tenha mais de 6 pessoas na capa;
- não vá a show em que os suspeitos façam passinhos ensaiados;
- não compre nenhum CD em que a capa tenha nuvens ao fundo;
- não compre nenhum CD em que tenha vendido mais de um milhão de cópias no Brasil, e
- não escute nada em que o autor não consiga uma concordância verbal mínima.

Mas principalmente, duvide de tudo e de todos.
A vida é bela!!! Eu sei que você consegue!!! Diga não às drogas!!!

Luiz Fernando Veríssimo

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