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O erro não é linguístico

        Brenhas esquecidas do interior de Pernambuco. Luta pela vida digna dos operários. Planalto da Alvorada. Só têm lógica essas frases, quando associadas à biografia do primeiro chefe de Estado brasileiro “peão”. Talvez, por ser nordestino, operário e falar “errado” é que o ex-presidente Lula conviveu, durante seus mandatos, com ácidas críticas proferidas pela mídia e pela classe dominante. Mas, por trás da “indignação”, provocada por um sujeito discordante e destoante em relação ao verbo a ele relacionado, está o preconceito, cuja prática segrega e hierarquiza as pessoas.
             Bastava dizer “companheiros e companheiras”, seu conhecido jargão, para haver olhos atentos ao discurso do ex-presidente. Claro, qualquer “deslize” seria eficaz à crítica – incontente com o fato de o líder que emergira das classes populares ocupar tão alto cargo. Contudo, a função primeira da língua fora alcançada pelo antigo torneiro mecânico: transmitir a mensagem desejada ao receptor e fazê-lo compreendê-la. Esta característica que a Lula foi conferida, de passar por cima das normas gramaticais, acabou lhe servindo de estratégia, pois as pessoas das classes baixa e média sentiram-se representadas por ele. A prova maior é a tamanha popularidade que registrou ao deixar o governo para sua sucessora.
            O povo se viu em Lula porque este deu-lhe um espaço nunca dantes atingido. No Brasil, só as elites conseguem regalias e privilégios, aos outros seres que habitam esta nação e que pagam as dívidas dos “poderosos” só resta ter, normalmente, uma vida precária e desigual. Até nossa gramática consegue calar as pessoas menos favorecidas, pois as regras lá contidas mais parecem refletir a fala do povo português, e não a do brasileiro.
       Na verdade, o erro não é lingüístico; não, ele é social, e provêm das cabeças não evoluídas, desumanas e que separam os homens. Este estrago pode ser ao menos amenizado pela instituição escolar, cabendo a esta o papel de mostrar as diferentes variedades lingüísticas que há na nossa língua e arregalar os olhos dos que fecham suas retinas para isso.

(Edilberto Vinícius Brito, 26 de agosto de 2011)

Comentários

  1. Ah, Mateus; obrigado por postar o texto. Vi-o só agora.

    Vinícius

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  2. Olá Vinícius, não há de quê!
    Você escreve muito bem, tens outros textos?

    ResponderExcluir

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