No ano passado escrevi um texto intitulado Encontro com o Capibaribe. Comecei com uma poesia e terminei com um conto. No fim penso que seria interessante chamá-lo de um "conto-poético". O texto é cheio de imaginação. Representa o espírito do Recife.
"O centro da cidade, inspiração dos poetas marginais, está adormecido. Os
ratos perambulam pelos lixos acumulados após um dia de agitação.
Cidade das pontes pretéritas. Agora, elas descansam. Os automóveis
acalmaram-se.
Por entre as ruas do Sol e da Aurora, escorre o Capibaribe, rio de
Cabral e de Bandeira, de Josué e de Science. Rio poético. Sua poesia é de lixo
e de mangues; peixes e caranguejos; pescadores e palafitas.
Das pontes vejo você, Capibaribe, correr em direção ao mar na sua louca
vontade de se banhar. Jogar suas imundices metropolitanas. Vai! Segue seu rumo
e banhe seu corpo. Quando estiver pronto, apreciarei sua beleza.
Enquanto não chego aos arrecifes, descanse, pois caminharei
vagarosamente, apreciando as construções gloriosas. Palácios, teatros e praças
também observam a sua caminhada.
Atravesso silenciosamente a Ponte Princesa Isabel. Ela dorme, não quero
acordá-la. O teatro canta mesmo que seja tarde da noite. Seu canto embala a
ciranda do Baobá da praça. O Palácio do Campo assovia no compasso alegre:
fiuuuu, fiu, fiu, fiuuu, fiu, fiu...
É segredo. Todas as noites as estátuas recifenses se reúnem nessa festa.
Uma hora elas descansam. Coitadas. Debaixo de sol e de chuva, elas se
sacrificam para mostrar seus significados. Mas agora, no embalo do som elas
dançam contentes.
Passei escondido. Elas não podem saber que um ser as viu cantar.
Psiiuuu...
Vamos, pois o Capibaribe me aguarda.
Atravesso Buarque de Macedo: ponte enorme e bela. A cada passo, sinto
que o Capibaribe me aguarda ansiosamente.
Também estou ansioso. Vejo de longe o Marco Zero. Apresso meus passos. O
encontro se realizará.
Pisei no Marco: Norte, Sul, Leste, Oeste. Leste é meu rumo. Como farei
para encontrar o Capibaribe?
O barco está lá embaixo no píer. Remarei até os arrecifes. Meu encontro,
nosso encontro, Capibaribe, realizar-se-á. Distancio-me do Marco. Meu coração
está pulsante. Meus cabelos flamulam. A brisa uiva. A coruja no seu voo calmo
fitou meus olhos. Sorri.
O barco tocou as pedras. Cheguei. Desci.
A passos meticulosos, aproximei-me do mar.
Ele estava irreconhecível. Belo. Não tive palavras; apenas me encantei.
Havia terminado minha saga: encontrar o Capibaribe às escondidas e
tentar apreciar ao máximo sua beleza. Sua importância, seus versos preciosos,
suas rimas bem trabalhadas.
O dia-a-dia não nos deixa enxergar tanta poesia nas suas águas. Os
homens na ânsia do imediato relegam os pormenores. Um belo pássaro é um
pássaro; uma bela rosa, uma rosa, nada mais. Um belo rio, um rio a correr para
o mar.
Para mim, você nunca será um rio, mas sim uma poesia que caminha a
passos leves por entre as ruas do Sol e da Aurora."
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