Fascina-me a anedota daquele homem cuja mulher lhe pediu que escrevesse uma justificativa para seu filho que havia faltado a escola. Enquanto ela se preocupa com os preparativos para sair com o menino rumo ao colégio, o homem luta na mesa da sala de jantar com a justificativa: muda uma vírgula, volta a colocá-la, risca uma frase e escreve outra, até que a mulher, que estava esperando na porta, perde a paciência , arranca-lhe a folha e, sem se sentar, rabisca umas linhas, põe sua assinatura e sai correndo. Era só uma justificativa escolar, mas para o homem, que era um conhecido escritor, não havia textos inofensivos e ainda o mais intranscedente deles apresentava problemas de eficácia e de estilo. Queria escrever uma justificativa perfeita, confessou o escritor em uma entrevista. Efetivamente, escritor é aquele que se enfrenta como ninguém ao fracasso de escrever e faz desse fracasso, por assim dizer, sua missão, enquanto os demais, simplesmente, redigem.
Podemos expandir essa anedota e imaginar alguém que, com uma corda em mãos a ponto de pendurar-se em uma viga no teto, disponhe-se a redatar algumas linhas de despedida, toma um lápis e escreve a conhecida frase de que ninguém deve-se culpar da sua morte. Até aí a coisa ia bem, mas decide acrescentar algumas linhas para pedir desculpas aos seus queridos amigos e, como é um escritor, deixa de redatar e começa a escrever. Duas horas depois o encontramos sentado à mesa, a corda esquecida sobre a cadeira, riscando adjetivos e corrigindo várias vezes a mesma frase para dar-lhe o tom justo. Quando termina está cansado, tem fome e o que menos deseja é suicidar-se. O estilo salvou sua vida, mas talvez foi pelo estilo que quis acabar com ela; talvez um dos motivos de seu gesto foi a convicção de ser um escritor frustrado e talvez o seja como todos aqueles que pretendem escrever a justificativa correta, que são os únicos que valem a pena ler. Escrevem para justificar que escrevem, a caneta em uma mão e a corda noutra.
Artigo traduzido da Revista de Cultura, integrante do Clarín, por Mateus Lins
O título original é El justificante perfecto, de Fabio Morabito
Esse texto-tradução me interessou bastante pela simplicidade em falar da difícil tarefa que é a escrita para aqueles que desejam escrever uma justificativa perfeita. Certas vezes quando estou tentando produzir algo - uma crônica, um poema ou mesmo um depoimento - vejo-me exatamente como o escritor com a corda na mão. Meu sofrimento é tamanho, pois quero, além de produzir uma história interessante, dar o tom final, ou melhor, acrescentar o estilo citado por Fabio Morabito.
A dificuldade revela-se também ao traduzir um texto. Procura-se a melhor palavra, modifica-se a ordem de um pronome, muda-se um termo por achar o outro mais adequado, ou, por soar melhor em português. Assim foi ao traduzir o El justificante perfecto.
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